Resistência na UAST |
A Unidade Acadêmica de Serra
Talhada completou sete anos em agosto desse ano. Portadora da enorme responsabilidade
por ser filha de uma instituição de renome, centenária, com uma vasta história
em nosso país, a UAST já inicia suas atividades com uma grande responsabilidade
diante da comunidade pernambucana. Hoje, após inúmeras lutas, batalhas e
conquistas, uma avaliação de nossa unidade se faz necessária e oportuna por seu
amadurecimento político e por todas as recentes mudanças que vem ocorrendo no
Brasil e que, por meio de muita luta, nossa pequena unidade de ensino se soma
também a tal momento.
Inicio
A chegada da unidade
por meio do REUNI nos traz algumas reflexões sobre a recente história do
Brasil. Foi à histórica luta dos movimentos sociais e da população organizada
de nosso país e região que possibilitou a ampliação das vagas no ensino
superior gratuito. As chamadas “Reformas de Base” promovidas pelo governo de
João Gullar, já visavam expandir o ensino superior por todo o país, isso no fim
dos anos 50. Foi justamente por essas “Reformas” que sofremos o “golpe militar
de 64”, visando frear os avanços sociais no Brasil. Nesse contexto a UFRPE se
destacou, realizando inúmeros atos contra o regime ditatorial imposto, o que
causou uma das maiores perseguições aos opositores da ditadura militar em nosso
estado. A UFRPE foi cenário de muita combatividade, sendo o local onde mais
teve estudantes, técnicos e professores presos, perseguidos ou proibidos de
continuar vinculados a universidade. Odijas Carvalho de Souza, patrono do nosso
DCE, é um exemplo dessa resistência contra esse regime.
As expansões ocorridas
em todo o Brasil somam-se a inúmeras conquistas de nossa população e não um ato
de bondade, como afirmam alguns. Se a universidade é um bem público, nada mais
justo que se fazer uma análise crítica de como está sendo esse investimento
nesse setor primordial. O REUNI, programa responsável por fazer essa expansão,
merece duas observações com base naquilo que observamos no dia a dia de nossa
unidade acadêmica:
A
intenção: expandir o numero de universidades pelo Brasil,
aumentando o numero de vagas é um avanço indiscutível e inegociável. Porém,
analisar como se deu essa implantação do REUNI por parte do MEC, por si só,
deixa claro como essa política se mostrou ineficiente e limitada, e não evitou
o processo de “sucateamento” do ensino superior, antes visto apenas no ensino
básico. Todas as instituições
federais de ensino superior, que foram praticamente obrigadas a aderirem ao
programa, hoje se queixam de inúmeros problemas referentes ao programa. Parece que o que prevaleceu mesmo foi
uma visão meramente eleitoreira em detrimento da manutenção dos estudantes,
técnicos e professores nas novas unidades de ensino. Com argumento de que “não
dava pra esperar ficar tudo pronto para dar início às expansões” o governo
inaugurou expansões por todo o país, muitas delas sem casas de estudantes,
restaurante universitário ou um laboratório mínimo sequer;
O
legado do REUNI: Essa atitude eleitoreira deixou um saldo
de obras paradas por todo país, o baixo rendimento do ensino, pesquisa e
extensão pelo interior e uma enorme evasão pela simples falta de estrutura ou
problemas financeiros. Prova maior desse descaso foi à greve de 2012, maior
greve dos últimos 20 anos, que parou o Brasil para uma reflexão sobre nosso
trato com esse assunto. Enquanto a mídia dizia ser uma reivindicação em tono de
questões salariais, as categorias unidas, professores, técnicos e estudantes,
pautavam a situação da estrutura das universidades. A UAST liderou o ranking do
MEC em obras paradas.
Universidade, reflexo da sociedade
O
processo de sucateamento também da educação superior é fruto de uma falta de
atenção e prioridade no Brasil. a 6º economia mundial ainda possui 12,9 milhões
de analfabetos, amargando o 88º lugar em educação, entre 127 países pesquisados
pela ONU sobre o assunto. Cerca de 5,3 milhões de jovens entre 18 e 25 anos
estão, além de desempregados, fora das salas de aula. Mais: 15% dos jovens
brasileiros estão no ensino superior. Desses 15% (6.739.689) 85% estão nas
redes privadas de ensino (4.966.474) segundo o Instituto Nacional de Estudos e
Pesquisas Educacionais (INEP).
Falar
de investimento público em educação é falar em contradições gigantescas, como
os 43,98% do orçamento da união, destinado para a “Divida Externa”, e somente
3,34% para o ensino, segundo dados da Auditoria Cidadã. Com um dos salários
mínimos mais baixos do mundo (R$678, que equivale a U$340, ou seja, o mínimo
mais baixo da América Latina) e com tudo aumentando, o sonho do diploma
torna-se cada vez mais impossível.
Mesa-redonda com a atual diretora da unidade na época da campanha |
O problema das universidades é a
falta de investimento
Pode
até soar estranho, mas, para se formar, mesmo numa instituição pública, é
preciso dinheiro. E esse é o principal motivo que impede nossos jovens de
concluírem seus cursos. Em 2011 a Associação Nacional dos Dirigentes das
Instituições Federais de Ensino Superior (ANDIFES) encomendou ao Fórum Nacional
de Pró-reitores de Assuntos Comunitários e Estudantis (FONAPRACE) um relatório
sobre a situação do estudante universitário brasileiro. O resultado foi
apresentado com o título de “Perfil Socioeconômico e Cultural dos Estudantes de
Graduação das Universidades Federais Brasileiras”, trazendo dados valiosos para
o debate sobre a situação acadêmica de nossas instituições, além de quebrar
vários mitos sobre os estudantes brasileiros:
·
-Os
universitários são ricos: 43,7% dos estudantes são oriundos
das classes C, D e E, sendo 52% nordestinos;
· -Políticas
para as mulheres, como creche e residências, não são necessárias:
53,5% das vagas estão ocupadas por mulheres;
· -
Urgência
na situação do transporte público e da mobilidade urbana:
56,5% dos universitários utilizam algum transporte coletivo para irem às aulas;
·
-Criação
e ampliação do acesso aos Restaurantes Universitários: somente
15% dos estudantes tem acesso aos RUs no Brasil;
·
-Criação
e ampliação das residências estudantis: somente 2,5% são
atendidos com a residência estudantil.
Outros
dados levantados pela pesquisa mostram que outras pautas precisam ser
levantadas em nossas instituições:
·
-Sistemas
de Cotas: apenas 8,7% dos universitários são negros, mesmo o
Brasil sendo considerado um país negro;
· -O
reduzido número de bolsas de manutenção estudantil:
segundo a pesquisa, 15% dos trancamentos de matrícula são por motivos
financeiros.
E como se traduz esses dados em
nossa unidade acadêmica?
A
controladoria Regional da União em Pernambuco realizou uma auditoria na UFRPE e
constatou que, de 2007 a 2011, 76% dos estudantes da UAST não conseguiram
concluir seus cursos. Ao cruzarmos essa informação com o 1º lugar e obras
paradas do país e outras coisas como a falta de um RU ou um transporte coletivo
municipal adequado, entendemos como esse dado é real, apesar de triste.
Todas
as obras da UAST não foram entregues a comunidade acadêmica: Biblioteca, Casa
de estudante (masculina e feminina), prefeitura, lanchonete (que já se encontra
ultrapassada, devido à quantidade de estudantes que hoje estudam na unidade) e
laboratórios. Hoje os gastos locais com a manutenção na cidade acabam afastando
os estudantes que vem de outras localidades: água, luz, telefone, aluguel, etc.
A
evasão, junto com o jubilamento (método criado pela ditadura para expulsar e
reprimir os estudantes) provoca esse esvaziamento que acaba gerando, em
consequência disso, também, um gasto publico.
Outro
mito levantado é que a culpa pela saída dos estudantes é a forma como se dá o
ingresso, hoje pelo o ENEM. Por ser uma ampla concorrência o ENEM acaba
tornando-se quase um “bingo” em relação à entrada na universidade, ou seja: o
estudante entra no curso apenas pelo simples fato de entrar, tirando, como
isso, uma vaga para quem realmente gostaria de fazer o determinado curso.
Engano: seis milhões de pessoas se inscreveram para fazer o ENEM em 2013,
porém, não divulgam os meios de comunicação, que apenas 600 mil conseguirão a
tão sonhada vaga no ensino superior público. Traduzindo: o problema é a falta
de vaga, gerada pelo apoio cada vez maior das autoridades pelas instituições
privadas, patrocinadas pelo PROUNI, por exemplo.
A
educação que temos é fruto desse descompromisso com uma educação de qualidade.
E não falta dinheiro, e sim vontade. Já foram R$86 bilhões para a Copa do Mundo
“da FIFA”, a mais cara da história, com estádios sendo entregues no prazo,
mesmo, alguns, tendo que manter a obra funcionando 24 horas por dia para
cumprir essa “exigência” da FIFA.
Já
o PNAES (Plano Nacional Assistência Estudantil), assinado em julho de 2010,
pelo então presidente Lula, parece não fazer parte de nosso cotidiano enquanto
unidade acadêmica. Visando a manutenção (que é diferente de Assistência) o
PNAES é voltado para moradia estudantil, alimentação, transporte, atenção à
saúde, inclusão digital, cultura e apoio pedagógico. Mas, o que vemos aqui em
Serra Talhada? A casa de estudante está servindo de depósito, não temos um
local com preço acessível para nos alimentar, e até os lanches que eram
vendidos foram proibidos pela direção, como o caso de “Muskitur”, motorista,
que vende lanches em seu ônibus, com preços acessíveis para a classe
estudantil, mas foi proibido de negociar na unidade por parte da direção. Não
temos transporte coletivo na cidade, serviço médico, internet de qualidade e
eventos que estimulem a integração cultural dos cursos, como a exemplo da
Gincana do Natal Solidário, ou o Fast Triátlon, por não termos uma quadra
disponível, até para as aulas de educação física, realizadas no espaço da AABB,
fora o fato de termos apenas uma assistente social na unidade para realizar
todo o trabalho da PROGEST.
A educação que queremos
Diante
desse quadro que se encontra a educação no Brasil e em nossa unidade, a saída
foi à mesma encontrada pelos lutadores de ontem e de sempre, seguindo o exemplo
daqueles que transformaram a UFRPE nessa universidade centenária: a luta.
Criado em 2008 na UAST, o movimento Resistência, que teve sua origem nos “Anos
de Chumbo” da rural e já se encontrava na sede e na UAG, passou a intensificar
as mobilizações em torno das necessidades dos estudantes “uastianos”. O fim do “Poeirão”, as mobilizações pela
pavimentação da estrada (hoje a menor BR do Brasil), o fim do Museu de Obras,
assembleias, paralisações e ações no ministério público foram exemplos de como
a mobilização é imprescindível para obter determinadas vitórias.
O
estudante não está, de maneira nenhuma, acomodado ou satisfeito com essa
situação da educação brasileira, exemplo disso foi às manifestações do Acorda
Serra, contando com a participação massiva dos universitários bem como o ato da
entrega da carta à presidente Dilma. A comunidade acadêmica vem cumprindo o seu
papel. Entendemos que o desafio de ter uma universidade realmente capaz de
impactar a sociedade, discutindo os problemas locais como a seca, a preservação
da caatinga e a renovação cultural de nossa região, se faz necessário e é de
todos. Para isso é preciso que se modifiquem as prioridades, colocando os
interesses sociais e investindo num futuro de nossa comunidade.
Nessa
perspectiva de luta temos visto a juventude tomarem as ruas. E, ao que tudo
indica, tais mobilizações tendem a aumentar cada vez mais. A certeza que se tem
é que não estamos apenas esperando. Por isso estamos no caminho certo.
Movimento Resistência, outubro de 2013
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