sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Carta do Movimento Resistência a Reitoria e ao MEC (Na íntegra)

Resistência na UAST

                                                                     
     A Unidade Acadêmica de Serra Talhada completou sete anos em agosto desse ano. Portadora da enorme responsabilidade por ser filha de uma instituição de renome, centenária, com uma vasta história em nosso país, a UAST já inicia suas atividades com uma grande responsabilidade diante da comunidade pernambucana. Hoje, após inúmeras lutas, batalhas e conquistas, uma avaliação de nossa unidade se faz necessária e oportuna por seu amadurecimento político e por todas as recentes mudanças que vem ocorrendo no Brasil e que, por meio de muita luta, nossa pequena unidade de ensino se soma também a tal momento.



Bancada da UAST presente no 1° seminário de assistência estudantil da UFRPE
                                                                       Inicio
     A chegada da unidade por meio do REUNI nos traz algumas reflexões sobre a recente história do Brasil. Foi à histórica luta dos movimentos sociais e da população organizada de nosso país e região que possibilitou a ampliação das vagas no ensino superior gratuito. As chamadas “Reformas de Base” promovidas pelo governo de João Gullar, já visavam expandir o ensino superior por todo o país, isso no fim dos anos 50. Foi justamente por essas “Reformas” que sofremos o “golpe militar de 64”, visando frear os avanços sociais no Brasil. Nesse contexto a UFRPE se destacou, realizando inúmeros atos contra o regime ditatorial imposto, o que causou uma das maiores perseguições aos opositores da ditadura militar em nosso estado. A UFRPE foi cenário de muita combatividade, sendo o local onde mais teve estudantes, técnicos e professores presos, perseguidos ou proibidos de continuar vinculados a universidade. Odijas Carvalho de Souza, patrono do nosso DCE, é um exemplo dessa resistência contra esse regime.
As expansões ocorridas em todo o Brasil somam-se a inúmeras conquistas de nossa população e não um ato de bondade, como afirmam alguns. Se a universidade é um bem público, nada mais justo que se fazer uma análise crítica de como está sendo esse investimento nesse setor primordial. O REUNI, programa responsável por fazer essa expansão, merece duas observações com base naquilo que observamos no dia a dia de nossa unidade acadêmica:
·         

Passagem em Sala
                     A intenção: expandir o numero de universidades pelo Brasil, aumentando o numero de vagas é um avanço indiscutível e inegociável. Porém, analisar como se deu essa implantação do REUNI por parte do MEC, por si só, deixa claro como essa política se mostrou ineficiente e limitada, e não evitou o processo de “sucateamento” do ensino superior, antes visto apenas no ensino básico. Todas as instituições federais de ensino superior, que foram praticamente obrigadas a aderirem ao programa, hoje se queixam de inúmeros problemas referentes ao programa. Parece que o que prevaleceu mesmo foi uma visão meramente eleitoreira em detrimento da manutenção dos estudantes, técnicos e professores nas novas unidades de ensino. Com argumento de que “não dava pra esperar ficar tudo pronto para dar início às expansões” o governo inaugurou expansões por todo o país, muitas delas sem casas de estudantes, restaurante universitário ou um laboratório mínimo sequer;
·         

Ato em defesa da educação na visita de Dilma a Serra Talhada
                     O legado do REUNI: Essa atitude eleitoreira deixou um saldo de obras paradas por todo país, o baixo rendimento do ensino, pesquisa e extensão pelo interior e uma enorme evasão pela simples falta de estrutura ou problemas financeiros. Prova maior desse descaso foi à greve de 2012, maior greve dos últimos 20 anos, que parou o Brasil para uma reflexão sobre nosso trato com esse assunto. Enquanto a mídia dizia ser uma reivindicação em tono de questões salariais, as categorias unidas, professores, técnicos e estudantes, pautavam a situação da estrutura das universidades. A UAST liderou o ranking do MEC em obras paradas.
 
Reunião para debater a situação do transporte municipal em Serra Talhada


                                             Universidade, reflexo da sociedade

     O processo de sucateamento também da educação superior é fruto de uma falta de atenção e prioridade no Brasil. a 6º economia mundial ainda possui 12,9 milhões de analfabetos, amargando o 88º lugar em educação, entre 127 países pesquisados pela ONU sobre o assunto. Cerca de 5,3 milhões de jovens entre 18 e 25 anos estão, além de desempregados, fora das salas de aula. Mais: 15% dos jovens brasileiros estão no ensino superior. Desses 15% (6.739.689) 85% estão nas redes privadas de ensino (4.966.474) segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP).
Falar de investimento público em educação é falar em contradições gigantescas, como os 43,98% do orçamento da união, destinado para a “Divida Externa”, e somente 3,34% para o ensino, segundo dados da Auditoria Cidadã. Com um dos salários mínimos mais baixos do mundo (R$678, que equivale a U$340, ou seja, o mínimo mais baixo da América Latina) e com tudo aumentando, o sonho do diploma torna-se cada vez mais impossível.


Mesa-redonda com a atual diretora da unidade na época da campanha

                             O problema das universidades é a falta de investimento

     Pode até soar estranho, mas, para se formar, mesmo numa instituição pública, é preciso dinheiro. E esse é o principal motivo que impede nossos jovens de concluírem seus cursos. Em 2011 a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (ANDIFES) encomendou ao Fórum Nacional de Pró-reitores de Assuntos Comunitários e Estudantis (FONAPRACE) um relatório sobre a situação do estudante universitário brasileiro. O resultado foi apresentado com o título de “Perfil Socioeconômico e Cultural dos Estudantes de Graduação das Universidades Federais Brasileiras”, trazendo dados valiosos para o debate sobre a situação acadêmica de nossas instituições, além de quebrar vários mitos sobre os estudantes brasileiros:

·     
             -Os universitários são ricos: 43,7% dos estudantes são oriundos das classes C, D e E, sendo 52% nordestinos;
·        -Políticas para as mulheres, como creche e residências, não são necessárias: 53,5% das vagas estão ocupadas por mulheres;
·        - Urgência na situação do transporte público e da mobilidade urbana: 56,5% dos universitários utilizam algum transporte coletivo para irem às aulas;
·         -Criação e ampliação do acesso aos Restaurantes Universitários: somente 15% dos estudantes tem acesso aos RUs no Brasil;
·         -Criação e ampliação das residências estudantis: somente 2,5% são atendidos com a residência estudantil.

     Outros dados levantados pela pesquisa mostram que outras pautas precisam ser levantadas em nossas instituições:

·         -Sistemas de Cotas: apenas 8,7% dos universitários são negros, mesmo o Brasil sendo considerado um país negro;
·    -O reduzido número de bolsas de manutenção estudantil: segundo a pesquisa, 15% dos trancamentos de matrícula são por motivos financeiros.

Ato pelo fim do "poeirão" e do monopólio da Erivantur

                        E como se traduz esses dados em nossa unidade acadêmica?

     A controladoria Regional da União em Pernambuco realizou uma auditoria na UFRPE e constatou que, de 2007 a 2011, 76% dos estudantes da UAST não conseguiram concluir seus cursos. Ao cruzarmos essa informação com o 1º lugar e obras paradas do país e outras coisas como a falta de um RU ou um transporte coletivo municipal adequado, entendemos como esse dado é real, apesar de triste.
Todas as obras da UAST não foram entregues a comunidade acadêmica: Biblioteca, Casa de estudante (masculina e feminina), prefeitura, lanchonete (que já se encontra ultrapassada, devido à quantidade de estudantes que hoje estudam na unidade) e laboratórios. Hoje os gastos locais com a manutenção na cidade acabam afastando os estudantes que vem de outras localidades: água, luz, telefone, aluguel, etc.
A evasão, junto com o jubilamento (método criado pela ditadura para expulsar e reprimir os estudantes) provoca esse esvaziamento que acaba gerando, em consequência disso, também, um gasto publico.


Primeira paralisação da unidade pelo fim do museu de obras da UFRPE
                                                     A educação que temos

Outro mito levantado é que a culpa pela saída dos estudantes é a forma como se dá o ingresso, hoje pelo o ENEM. Por ser uma ampla concorrência o ENEM acaba tornando-se quase um “bingo” em relação à entrada na universidade, ou seja: o estudante entra no curso apenas pelo simples fato de entrar, tirando, como isso, uma vaga para quem realmente gostaria de fazer o determinado curso. Engano: seis milhões de pessoas se inscreveram para fazer o ENEM em 2013, porém, não divulgam os meios de comunicação, que apenas 600 mil conseguirão a tão sonhada vaga no ensino superior público. Traduzindo: o problema é a falta de vaga, gerada pelo apoio cada vez maior das autoridades pelas instituições privadas, patrocinadas pelo PROUNI, por exemplo.
A educação que temos é fruto desse descompromisso com uma educação de qualidade. E não falta dinheiro, e sim vontade. Já foram R$86 bilhões para a Copa do Mundo “da FIFA”, a mais cara da história, com estádios sendo entregues no prazo, mesmo, alguns, tendo que manter a obra funcionando 24 horas por dia para cumprir essa “exigência” da FIFA.
Já o PNAES (Plano Nacional Assistência Estudantil), assinado em julho de 2010, pelo então presidente Lula, parece não fazer parte de nosso cotidiano enquanto unidade acadêmica. Visando a manutenção (que é diferente de Assistência) o PNAES é voltado para moradia estudantil, alimentação, transporte, atenção à saúde, inclusão digital, cultura e apoio pedagógico. Mas, o que vemos aqui em Serra Talhada? A casa de estudante está servindo de depósito, não temos um local com preço acessível para nos alimentar, e até os lanches que eram vendidos foram proibidos pela direção, como o caso de “Muskitur”, motorista, que vende lanches em seu ônibus, com preços acessíveis para a classe estudantil, mas foi proibido de negociar na unidade por parte da direção. Não temos transporte coletivo na cidade, serviço médico, internet de qualidade e eventos que estimulem a integração cultural dos cursos, como a exemplo da Gincana do Natal Solidário, ou o Fast Triátlon, por não termos uma quadra disponível, até para as aulas de educação física, realizadas no espaço da AABB, fora o fato de termos apenas uma assistente social na unidade para realizar todo o trabalho da PROGEST.


Charge sobre o transporte da UAST

                                                        A educação que queremos

Diante desse quadro que se encontra a educação no Brasil e em nossa unidade, a saída foi à mesma encontrada pelos lutadores de ontem e de sempre, seguindo o exemplo daqueles que transformaram a UFRPE nessa universidade centenária: a luta. Criado em 2008 na UAST, o movimento Resistência, que teve sua origem nos “Anos de Chumbo” da rural e já se encontrava na sede e na UAG, passou a intensificar as mobilizações em torno das necessidades dos estudantes “uastianos”.  O fim do “Poeirão”, as mobilizações pela pavimentação da estrada (hoje a menor BR do Brasil), o fim do Museu de Obras, assembleias, paralisações e ações no ministério público foram exemplos de como a mobilização é imprescindível para obter determinadas vitórias.
O estudante não está, de maneira nenhuma, acomodado ou satisfeito com essa situação da educação brasileira, exemplo disso foi às manifestações do Acorda Serra, contando com a participação massiva dos universitários bem como o ato da entrega da carta à presidente Dilma. A comunidade acadêmica vem cumprindo o seu papel. Entendemos que o desafio de ter uma universidade realmente capaz de impactar a sociedade, discutindo os problemas locais como a seca, a preservação da caatinga e a renovação cultural de nossa região, se faz necessário e é de todos. Para isso é preciso que se modifiquem as prioridades, colocando os interesses sociais e investindo num futuro de nossa comunidade.
Nessa perspectiva de luta temos visto a juventude tomarem as ruas. E, ao que tudo indica, tais mobilizações tendem a aumentar cada vez mais. A certeza que se tem é que não estamos apenas esperando. Por isso estamos no caminho certo.

                                                           Movimento Resistência, outubro de 2013

Nenhum comentário:

Postar um comentário